Autogolpe ocorre quando o governo estabelecido apodera-se das instituições legais para manter sua continuidade. Isso pode ocorrer com a utilização da força e de forma ilegal, ou seja, sem o respaldo constitucional. Assim, autogolpe refere-se sempre ao prosseguimento impelido de um grupo e não à chegada ao poder de um novo partido.
Self-coup, no inglês, ou autocoup, no francês, a articulação política desta natureza tem a necessidade de romper com a ordem legal, afrontar a constituição de um país ou adequá-la às suas vontades. Por exemplo, no Brasil as eleições presidenciais ocorrem de quatro em quatro anos. O representante do país é eleito dentro de um processo de votação na democracia representativa. Desta forma, se no quarto ano de mandato um presidente resolve dissolver os poderes judiciário e legislativo, assumindo com o apoio das Forças Armadas um posicionamento de continuidade, ocorre um autogolpe.
Um processo que pode ser identificado como um autogolpe ocorreu no Brasil com a formação do Estado Novo. Em 1937, o presidente Getúlio Vargas - que estava no poder desde 1930 - deu continuidade ao seu mandato e ficou na presidência até 1946. Este período ficou conhecido na História do Brasil como Era Vargas.
Um autogolpe também pode configurar-se a partir de uma reforma no sistema eleitoral. Este processo ocorreu no governo do líder fascista Benito Mussolini. Ele havia chegado ao poder em 1922, através de nomeação do rei Vitor Emanuel III. Nas eleições gerais de 1924, ele promoveu uma alteração legislativa – conhecida como Lei Acerbo, contrária ao princípio de representação proporcional e que assegurava a maior parte das cadeiras à legenda que tivesse mais votos.
Como os fascistas praticamente dominavam o cenário político pela força de seus quadros – que muitas vezes faziam uso de ameaças e violência para fazer valer seus objetivos – não foi difícil conseguir uma maioria de representantes que votassem a favor de sua legenda. A Lei Acerbo, curiosamente, foi cunhada com o nome de Giacomo Acerbo, subsecretario de Estado ligado à Mussolini.
Um autogolpe não ocorre sem passar por um período longo de gestação. Nasce após décadas de influência de um grupo de poder que vai dominando a engrenagem política. Conforme estas forças entram em convergência, respaldadas pelo Exército ou polícias especiais (por vezes, as Forças Armadas tornam-se um Partido Militar), ocorrem os autogolpes. Eles podem acontecer em momentos de crise econômica – nos quais são apontados os inimigos/causadores do problema – e também em períodos em que a população deixa de confiar nas instituições do Estado.
Outro autogolpe ocorreu em 1851, na França, no qual Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito em 1848, impôs uma ditadura após três anos no governo. Naquela ocasião, após conceder a si mesmo poderes de emergência, realizou um referendo em que se tornou Napoleão III. Este ato ocorreu após 47 anos exatos da coroação de seu tio, o famoso estadista Napoleão Bonaparte, como imperador da nação francesa.
Um ano após o golpe de Napoleão III, o filósofo alemão Karl Marx publicou um texto em que se verifica sua máxima de que os acontecimentos históricos sempre se repetem em uma primeira vez como tragédia e na segunda como farsa. A propósito deste apontamento, na segunda década do século XXI, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump, após perder as eleições, reuniu seus seguidores nas proximidades do Capitólio - centro legislativo do país - em Washington D.C.. Após inflamar seus adeptos com um discurso, Trump incitou uma movimentação no sentido de que tomassem o Capitólio à força. O ato ocorreu, mas de forma desorganizada, peculiar e sem nenhuma efetividade política.
Manifestantes com uniformes e símbolos aludindo ao Exército dos Confederados, alguns com roupas de caçadores e capacetes de chifres, tomaram os aposentos do Capitólio: destruíram móveis, subiram em mesas e sentaram-se em locais tradicionalmente ocupados por lideranças políticas dos EUA. Este episódio teve por resultado a morte de civis e ainda reforçou a credibilidade do partido adversário.
Nestas circunstâncias, pode-se perceber que os primeiros autogolpes, como o de Mussolini na Itália, configuraram-se na História como tragédias. Já estes movimentos do século XXI podem ser vistos como farsas. Sem planejamento, sem apoio do Exército, sem camadas de influência notáveis na máquina pública, estas segundas ações não parecem capazes de gerar uma mudança efetiva, embora causem espanto na população.
Fontes:
PALLA, Marco. A Itália fascista. São Paulo: Ática, 1996.
https://files.comunidades.net/torrestv/160724033946TURQUIA.pdf
https://www.politico.com/news/magazine/2021/01/11/capitol-riot-self-coup-trump-fiona-hill-457549
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/politica/autogolpe/