Anti-intelectualismo

Por Letícia Rodrigues Ferreira Netto

Licenciatura Plena e Bacharelado em Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras UNESP, 2015)
Mestrado em Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras UNESP, 2017)

Categorias: Sociedade
Ouça este artigo:
Este artigo foi útil? Considere fazer uma contribuição!

O anti-intelectualismo é um fenômeno caracterizado pela aversão à intelectualidade, ao pensamento erudito, às grandes formulações científicas, à presença dos intelectuais e a seu ofício. Pode derivar de várias esferas do social, mas tem em geral uma raiz: a sensação de que a intelectualidade atrapalha o andamento do social ou é dispensável.

O movimento de um anti-intelectualismo, porém, não se refere somente a um afastamento da verdade científica, já que mesmo as teorias e os silogismos buscam experimentos e formulações que se assemelham a formulação científica. Este movimento tem aversão à intelectualidade em si, tanto aos intelectuais quanto aos seus objetos de pesquisa. É notável que existe a busca das pessoas em utilizar a ciência para explicar momentos do seu cotidiano ou mesmo a busca de posturas pseudocientíficas para justificar crenças, como a usa de estatísticas e experimentos rudimentares. Porém, a figura do intelectual é execrada como uma pessoa pouco confiável, arrogante, diferente, que quer confundir e atrapalhar a normalidade. Além de ser o “chato” que questiona tudo o que é posto na sociedade como normal e natural.

Isso porque, em tempos de neoliberalismo, o trabalho intelectual é, por vezes, visto como atividade de fracassados, quando seus protagonistas não mostrem saber fazer de seu “capital cultural” – adquirido, via de regra, em universidades públicas – uma oportunidade de negócios. (Acselrad, 2018).

Essa visão pejorativa do intelectual acaba por criar barreiras para que se possa pensar a ciência, em especial as ciências humanas, como ramos valorosos que podem auxiliar na construção social. Em geral, as ciências humanas e as artes eruditas são vistas como supérfluas, em comparação com ciências mais valorosas ao social pela sua pragmaticidade. Essencialmente, o anti-intelectualismo busca desvalorizar os debates científicos das ciências humanas já que estes parecem depender da opinião e não da construção científica. A ideia de ciência como o laboratório ou os experimentos das ciências naturais colabora para essa visão. Porém, mesmo as ciências naturais tem sofrido ataques do anti-intelectualismo. Este movimento busca a noção do confiar como essencial, e a dúvida cientifica como uma tolice e uma forma de ser diferente e deselegante. A ideia de pluralidade e respeito à diferenças e o afastamento da padronização de pensamentos é visto de forma negativa.

Esse movimento é bastante relacionado ao senso comum e ao conservadorismo por buscar uma manutenção ou intensificação do status quo ou das desigualdades, visto que seriam as ciências humanas ou o debate científico e a dúvida que possibilitaria a mudança da realidade social a partir do pensamento reflexivo e da compreensão da sociedade como sistema. Percebe-se também que este movimento é relacionado aos debates de pós-verdade, promovidos pela Profª. Drª. Alexis Wichowski. A pós-verdade é um movimento atual muito fomentado pela Era da Informação e pela internet. A abundância de materiais escritos, informações, notícias e vídeos sobre tudo se torna uma avalanche sobre as pessoas e, de certa forma para se proteger desse volume de informações, as pessoas escolhem o que ver, o que ler e o que acreditar. Essa escolha, porém, é direcionada tanto por aquilo que as pessoas já construíram de opinião, como pelo marketing e pelas estratégias de propaganda ideológica que fazem com que as pessoas pensem de determinadas maneiras.

A redução do intelecto aos atributos de “capacidade de organização”, de “combinação de recursos heterogêneos” e de obtenção de lucro não deixa de se assemelhar a uma das formas contemporâneas do anti-intelectualismo. Essa vertente mercantil do anti-intelectualismo tem sido, já o sabemos, acompanhada de sua vertente conservadora que propugna formas de intervenção externas à universidade com o objetivo de controlar o rumo da pesquisa acadêmica ou punir discursos cidadãos extramuros de professores e pesquisadores. (Acselrad, 2018).

Os constantes ataques à intelectualidade se referem tanto a essa manipulação ideológica como ao próprio afastamento do pensamento cientifico em relação ao senso comum. O senso comum é um pensamento fenomênico, baseado na experiência popular e cotidiana, e apesar de carregar sabedoria popular, também é munido de preconceitos e falácias. O acesso à ciência, porém, e ao combate ao senso comum que deveria acontecer no sistema educacional, porém, não ocorre e acaba por gerar conflitos na própria escola quando pessoas defendem uma flexibilização das verdades cientificas na escola, para que se ensinem dogmas ou doutrinas alheias ao pensamento cientifico. Uma das características desse processo de anti-intelectualização é a tentativa de impor opiniões ou pensamentos de grupos conservadores como verdades a serem disseminadas em ambientes científicos, torcendo as categorias de respeito e relativismo.

Referências:

ACSELRAD, Henri. Espectros do anti-intelectualismo tropical. Le monde diplomatique Brasil. 21 de setembro de 2018. Disponível em: https://diplomatique.org.br/espectros-do-anti-intelectualismo-tropical/ .

FECOMERCIO SP. Pós-verdade na era da informação, por Alexis Wichowski. Youtube. 23 de jun de 2017. Disponível em: https://youtu.be/lmDegcIAX70.

Este artigo foi útil? Considere fazer uma contribuição!