A poligamia é uma estrutura matrimonial que envolve mais de dois conjugues. É praticada em algumas religiões, mas entra em conflito com diferentes legislações de Estados nacionais. Pode ser praticada a partir do casamento centrado em homens ou mulheres, apesar de ser mais comum que a relação de poligamia esteja centrada em um homem polígamo. A poligamia é presente em várias espécies além da humana, mas as relações e regras culturais humanas são particulares da espécie. A poligamia ainda se distingue de outras organizações afetivas como o poliamor, mais comentado atualmente.
“Regras de casamento são normas que regulam a escolha de cônjuges, bem como as relações entre indivíduos casados e seus vários parentes. [...] As regras de endogamia e exogamia aplicam-se ao problema geral de quanta liberdade é permitida na escolha dos cônjuges É em geral verdade, por exemplo, que quanto mais o casamento afeta a distribuição de poder, prestigio e propriedade entre grupos aparentados, mais controle as famílias exercem sobre aqueles com quem os filhos casam.” (JOHNSON, 1997, p.192).
O sistema de poligamia implica que em um mesmo casamento haverão diferentes conjugues. O casamento porém não ocorre entre todos os membros, ocorre entre um indivíduo central que se casa mais de uma vez e constitui família com diferentes pessoas. A convivência costuma ser no mesmo local e pode haver cooperação entre todos os envolvidos. Em geral, a poligamia é mais praticada por indivíduos do sexo masculino que se casam com diferentes indivíduos do sexo feminino. As esposas, porém, não tem envolvimento amoroso entre si. Esses casamentos são mais comuns em religiões muçulmanas ou alguns segmentos mórmons.
A poligamia pode ser dividia em poliginia, quando um homem se casa com diferentes mulheres. E a regra para quantas esposas este indivíduo pode desposar é relacionada com regras religiosas que organizam a prática. Ou ainda, podem aparecer casos de poliandria, em que uma mulher se casa com diferentes homens. A regra também é socialmente construída e deve ser cumprida para que qualquer casamento não seja considerado errado. A poliandria tem uma recorrência muito menor nas sociedades humanas, mas vilas na Índia e na região Himalaia possuem essa prática. Assim como a poliginia, os relacionamentos são entre cada esposo e a esposa e não entre os homens em si.
“No Canadá, a raiz do escândalo da rede de jovens esposas de Bountiful, a Suprema Corte de Justiça da Columbia Britânica decidiu, em 2011, que proibir e processar ativamente a poligamia é compatível com a constituição canadense. Segundo o jurista Robert Bauman, isso se deve ao fato de se tratar de uma prática comum em comunidades religiosas "fortemente patriarcais" e, portanto, as mulheres que participam de relações polígamas fazem isso, na maioria dos casos, "coagidas pelo seu entorno e não em condições de verdadeira liberdade".” (TORRES, 2017)
A poligamia se diferencia do poliamor e da ideia de traição por alguns motivos. A poligamia deriva de práticas sociais de casamento especificas em que não há relação sexual entre todas as partes. Define-se por múltiplos casamentos heterossexuais entre um indivíduo central polígamo e outros indivíduos que não possuíram outro conjugue. A ideia de traição envolve uma prática escusa da vida matrimonial e implica que existe uma relação monogâmica (apenas 1 conjugue por individuo) e essa relação não é respeitada, precisando a traição ser escondida. O poliamor é uma relação moderna e envolve diferentes arranjos e acordos entre indivíduos e não baseados em elementos culturais ou religiosos. Nessa prática, todos os conjugues podem se relacionar entre si, se for da sua vontade, e podem ter outros cônjuges para além da união inicial.
“Além das considerações legais, para a escritora e jornalista peruana Gabriela Wiener, "poligamia e poliamor são diametralmente opostas, mesmo que possam ter semelhanças superficiais em algum caso concreto". [...] "A chave está em até que ponto falamos de uma relação livre e simétrica. Na poligamia, tudo gira em torno das relações sexuais e afetivas do homem, com as mulheres implicadas sendo muito complacentes e submissas. No poliamor, ao contrário, há (ou deveria haver) verdadeira liberdade e simetria".” (TORRES, 2017).
No Brasil, a poligamia foi aceita enquanto união estável entre indivíduos baseados no Art. 5º Inciso X, da intimidade, que respeita as preferencias individuais e, da dignidade humana, a busca de felicidade e realização pessoal. Por ser uma matéria da vida privada dos indivíduos sem prejuízo de outros ou da sociedade, a jurisprudência atualmente aceita que o Estado não interfira. A legislação que cobre esse assunto é a mesma que garante a validade dos casamentos homoafetivos. Porém, casamentos homoafetivos não são a mesma coisa que casamentos polígamos. Essa união estável, porém, segue as mesmas regras civis que outras uniões perante o Estado. Devendo ser respeitadas as idades dos contratantes, o livre arbítrio, o respeito à pessoa e à sociedade. A diferença entre casamento e a união estável, no Brasil, refere-se ao casamento ser firmado perante o Estado na presença de Juiz de Direito. E a união estável ser um entendimento público e reconhecido daquela situação, porém demanda que as pessoas vivam juntas no mesmo espaço com a intenção de constituir família.
“A união estável ou o casamento não monogâmico tem amparo constitucional nos mesmos princípios adotados pelo STF no reconhecimento das uniões homossexuais. O Estado, que é laico, não pode se omitir diante de um fato social e tratar de modo diferenciado quem busca sua felicidade de forma não convencional; pelo contrário, deve interferir para proteger e resguardar as pessoas que se unem sob um conceito cada vez mais amplo de família, cujo liame subjetivo deve se pautar no amor familiar, na comunhão e na identidade dos seus membros.” (POLIZIO Jr, 2014).
Referências:
JOHNSON, Allain G. Dicionário de Sociologia: Guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
POLIZIO Jr., Vladimir. A possibilidade jurídica de união estável ou casamento entre mais de duas pessoas: interpretação conforme a Constituição. JusBrasil. 2014. Disponível em: https://polizio.jusbrasil.com.br/artigos/179659727/a-possibilidade-juridica-de-uniao-estavel-ou-casamento-entre-mais-de-duas-pessoas-interpretacao-conforme-a-constituicao
TORRES, Miquel E. Minha vida feliz como mulher de um polígamo. El país. 29 JAN 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/19/estilo/1484844930_340659.html