A ideia de branqueamento racial pode ser definida como um processo social de valorização da raça branca e pode se relacionar com as ideias de darwinismo social e determinismo biológico. O branqueamento racial, porém, não se resume apenas a materialidade da pele biológica e, sim, ao que a mesma representa para as sociedades dentro de um ideal de civilização, avanço social e dominância. Ele pode se relacionar às teorias descritas pois se utiliza de um elemento biológico para justificar diferentes estratégias sociais, processos de dominação e relação entre etnias e culturas, porém existem modificações históricas do significado deste branqueamento, sendo o aspecto biológico presente no século XIX.
O darwinismo social foi uma corrente de pensamento do século XIX. Com a discussão das teorias de Darwin (1859), acreditava-se que seria possível adaptar as descobertas da biologia para pensar o funcionamento e evolução das sociedades. Desta forma, busca-se a aplicação biológica aos elementos sociais, tanto para indivíduos com para sociedades inteiras, com a defesa de que o corpo social e o corpo biológico se adaptam e evoluem da mesma maneira. O determinismo biológico tem a mesma raiz nos estudos da biologia e buscava explicar as diferenças humanas a partir da genética, porém além do fenótipo, queriam determinar culturas, criminalidade e moral a partir das “raças” humanas. Atualmente, percebe-se que a espécie humana não possui raças. A utilização dessas teorias cai por terra na ciência ao se perceber que a cultura e a sociedade são mais determinantes no comportamento do que a biologia, porém ainda são muito presentes no senso comum.
O sociólogo americano William Du Bois utiliza o conceito de linha de cor para evidenciar as diferenças entre brancos e negros nos Estados Unidos. A linha de cor denota a diferença de oportunidades e perspectivas entre os dois grupos sociais.
“Em seu artigo de 1952 para a revista Jewish Life, “Os negros e o Gueto de Varsóvia”, ele [Du Bois] escreve: O problema da raça... ultrapassa as linhas da cor, do físico, da crença e do status, sendo uma questão de... ódio e preconceito humano.” Não é, portanto, a cor que importa, mas a “linha”, que pode ser traçada para articular diferenças e ódios em qualquer grupo ou sociedade.” (THORPE, 2016, P.73).
Tais diferenças, apesar de evidenciadas pela pele, se referem às práticas sociais presentes na sociedade americana, principalmente com a ideia da segregação racial como algo positivo. A segregação racial é diferente do branqueamento por não permitir as relações entre diferentes etnias seja em espaços públicos ou privados. Além de diferentes proibições, era um sistema conivente com violências. Espera-se das populações que sofriam violências uma postura não agressiva e não combativa para a manutenção da ordem, no entanto, diferentes agentes nos EUA mobilizarão grupos sociais pela aquisição de direitos básicos.
Proponho analisar denominações de cor/raça como “construções ideológicas” nos seus contextos econômicos, históricos e sociais específicos. Ao atuarem como categorias de inclusão e exclusão que remetem também a concepções de mundo, reivindico tratar conceitos como raça”, “negro”, “branco”, etc. como parte integrante e importante da própria história do racismo. (HOFBAUER, 2003, p.67)
Para Hofbauer, a maioria dos estudos brasileiros liga a ideia de branqueamento a uma estratégia ideológica brasileira surgida no século XIX, pois se colocava como uma oposição as estratégias segregacionistas, sendo uma forma de não entender a raça como algo inato ou a mistura de raças como degeneração. As teorias brasileiras, ainda, assinalam que o branqueamento seria uma visão político-econômica adaptada a realidade do momento, em que a elite precisava de uma alternativa ao trabalho escravizado e liberto negro, promovendo a dita importação de mão de obra europeia.
“Tanto as análises de tipo “cultural-antropológicas” como as abordagens mais “sociológicas” entendem que a ideologia do “branqueamento” nasceu num momento de incertezas, no contexto histórico-político da transformação da sociedade escravista em um novo modelo social, o sistema capitalista. Afirma-se que as “teorias raciais” clássicas, que ganharam força a partir da segunda metade do século XIX na Europa e nos EUA, e que condenavam a miscigenação, punham em xeque a viabilidade do projeto de modernização do país.” (HOFBAUER, 2003, p.68)
No Brasil, essas correntes teóricas referidas pelo autor, indicavam que as ideias de branqueamento das raças viriam a defender a possibilidade de modernização brasileira ao permitir um desenvolvimento nacional pela miscigenação e não pela segregação. Hofbauer, porém, argumenta como essa ideia perde de vista outros processos históricos, apesar de não estar incorreta. Segundo pesquisas, pode-se perceber que a ideia de um branqueamento deriva de concepções religiosas ligadas ao Novo Testamento e datam de processos muito anteriores ao próprio Brasil. Na época medieval, a pessoa se tornaria branca, pois buscaria uma vida sem pecado e aceitaria a religião cristã, sendo a biologia um aspecto pouco relevante.
“A fusão ideológica entre escravidão, cor negra e imoralidade, de um lado, e liberdade, cor branca e ideal religioso de outro, repercutiria também entre aqueles que, em princípio, eram “vítimas” deste discurso - sobretudo entre aqueles que ansiavam ascender dentro da ordem estabelecida. Em vários episódios colhidos no mundo árabe-muçulmano medieval e também na península Ibérica no início da expansão colonial, a conversão à “fé verdadeira” e o desejo de integração são comentados como um processo de clareamento, de embranquecimento dos conversos.” (HOFBAUER, 2003, p.73)
Assim, a ideia de branqueamento racial vai perpassar diferentes momentos históricos e sociedades. E terá diferentes significados a cada época. A ideia associada a raça biológica iniciará no século XVIII e tratará da possibilidade de miscigenação como uma forma de melhorar as raças mais atrasadas, transformando-as na raça branca, tida como neutra, mas também mais evoluída.
“... embora a grande maioria dos pesquisadores (por exemplo, John Rex e Michael Banton) afirme que raça é uma construção social, ocorre, freqüentemente, que as “variedades fenotípicas” são tratadas como um dado biológico neutro. Desta forma, argumenta Wade, transfere-se a “conceituação naturalizada” da idéia de raça para o “fenótipo”.” (HOFBAUER, 2003, p.65)
Referências:
HOFBAUER, Andreas. CONCEITO DE" RAÇA" E O IDEÁRIO DE" BRANQUEAMENTO" NO SÉCULO XIX. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, v. 1, n. 42, 2003. Disponível em: http://www.teoriaepesquisa.ufscar.br/index.php/tp/article/view/57/47
THORPE, C. et al. O livro da Sociologia. São Paulo: GloboLivros, 2016.
SPINELLI, Kelly C. Raças humanas não existem como entidades biológicas, diz geneticista. Jornal UOL, São Paulo, 05/02/2013. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/02/05/racas-humanas-nao-existem-como-entidades-biologicas-diz-geneticista.htm
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/sociologia/branqueamento-racial/