Lugar de fala

Por Letícia Rodrigues Ferreira Netto

Licenciatura Plena e Bacharelado em Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras UNESP, 2015)
Mestrado em Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras UNESP, 2017)

Categorias: Sociologia
Ouça este artigo:
Este artigo foi útil? Considere fazer uma contribuição!

Lugar de fala é um conceito que tem permeado as discussões e debates atuais quando se refere a minorias e experiências sociais. Essencialmente, refere-se a autoridade que uma pessoa possui para falar sobre a sua situação social enquanto pertencente a um grupo minoritário, seja étnico, de gênero, religioso, político etc. A ideia central no Lugar de Fala é entender que, mesmo que diferentes pessoas possam compreender situações sociais e teorizar sobre as mesmas, quem possui argumentos de autoridade sobre essas situações são os grupos que possuem experiências com essas realidades.

O Lugar de fala costuma ser um lugar social de prática discursiva associada a experiências sociais especificas e, em geral, relacionadas a algum tipo de opressão ou de iniquidade social. Assim, é muito comum que a ideia de lugar de fala seja utilizada por minorias. Para se entender se uma pessoa se encaixa em uma minoria, é necessário verificar a construção social em torno do termo e dos grupos aos quais a pessoa pertence. As minorias sociais podem ou não ser grupos em minorias numéricas, mas se referem a grupos cuja ação social é diminuída e seu acesso a cidadania de alguma forma cerceado.

“Minoria é uma categoria de indivíduos considerados merecedores de tratamento desigual e humilhante simplesmente porque são identificados como a ela pertencentes. Minorias em geral são definidas em termos de características atribuídas de status, tais como raça, sexo e meios formativos étnicos ou religiosos, bem como de status adquirido, como orientação sexual.” (JOHNSON, 1997, p.149).

Assim, diferentes grupos sociais podem ser considerados minorias devido a sua experiência social com o tratamento desigual. O lugar de fala se relaciona com estes grupos quando é necessário que se debata essa situação social. Esse conceito pode ser utilizado tanto para respeitar uma situação social, ao se reconhecer que outras pessoas podem falar mais a respeito de situações que experienciam do que aquelas que as estudam teoricamente. Ou pode ser utilizado no sentido de reivindicar uma situação de respeito da minoria proveniente, no sentido de não se falar pela pessoa ou sobre a pessoa e sua própria situação.

Como as minorias sociais costumam ser grupos tratados com desigualdade é comum que a fala destes grupos não seja respeitada por grupos considerados hegemônicos. Um grupo hegemônico é um grupo que controla as situações sociais que fazem com que as minorias sejam tratadas com desigualdade. Não necessariamente essa atitude de controle e de poderes é consciente, muitas vezes está relacionada a perpetuação de práticas sociais aprendidas e a posturas que condizem com benefícios sociais deste tratamento desigual.

I rely on a Gramscian (1971) conceptualization of hegemony to understand the process by which the ruling race attains consensus of subordinated groups. The dominant group controls the construction of reality through the production of ideologies or “knowledge” (Foucault 1977 [1975]) that circulate throughout society where they inform social norms, organizational practices, bureaucratic procedures, and commonsense knowledge. In this way the interests of the oppressors are presented as reflecting everyone’s best interests, thereby getting oppressed groups to accept the dominant group’s interests as their own and minimize conflict [...] (PYKE, 2010, p.556)

Fio-me em uma conceitualização da hegemonia gramsciana (1971) para entender o processo pelo qual a raça dominante alcança consenso de grupos subordinados. O grupo dominante controla a construção da realidade através da produção de ideologias ou “conhecimento” (Foucault 1977 [1975]) que circulam por toda a sociedade onde informam normas sociais, práticas organizacionais, procedimentos burocráticos, e conhecimento do senso comum. Dessa maneira, os interesses dos opressores são apresentados como refletindo os melhores interesses de todos, fazendo com que os grupos oprimidos aceitem os interesses do grupo dominante como seus e minimizem os conflitos. [Em tradução livre]

As minorias sociais podem ser minorias étnico-raciais, de gênero, devido a deficiências, idades ou geracionais, por acessos socioeconômicos, orientação sexual etc. É comum o debate atual sobre o cuidado com as falas pois existem muitas minorias. A ideia é que o lugar de fala das minorias, hoje, é utilizado para que se possa discutir, dialogar e se posicionar sobre a própria situação social. Desta forma, os desconfortos causados pelos discursos hegemônicos não são mais tolerados pelos grupos minoritários, visto que eles possuem respaldo legal na Constituição Federal, art. 5º, e nos Direitos Humanos, pelos princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana.

Um exemplo dessa situação é a criação de conceitos que evidenciam quando o lugar de fala é tomado da minoria a que se refere, como o conceito de mansplaining pode ser usado. Mansplaining é um conceito utilizado por mulheres quando um homem insiste em lhes explicar algo óbvio como se fosse algo extremamente inacessível para essa pessoa. O mansplaining pode ser usado também para que o homem explique para a mulher a situação que ela mesma está vivenciando, tomando-lhe seu lugar de fala. Como dito, muitas vezes intenção da pessoa que usurpa o lugar de fala de uma minoria é ajudar ou dar sua opinião sobre o assunto. A crítica realizada pelas minorias é que a fala dos grupos minoritários se basta para explicar sua vivencia, não necessitando da reafirmação de discursos hegemônicos.

Assim, a ideia de lugar de fala se posiciona no debate atual como um lugar político, autônomo e de voz que busca uma posição de igualdade entre a criação de discursos. Evitando, dessa forma, a reprodução de estruturas de dominação de discursos e de práticas sociais que marginalizem as minorias.

Referências:

PYKE, Karen D. What is internalized racial oppression and why don't we study it? Acknowledging racism's hidden injuries. Sociological Perspectives, v. 53, n. 4, p. 551-572, 2010.

JOHNSON, Allain G. Dicionário de Sociologia: Guia prático da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

Este artigo foi útil? Considere fazer uma contribuição!