Em geral, não temos dificuldade de identificar o racismo quando ele se manifesta em ações explícitas de indivíduos ou grupos. Por exemplo, quando uma torcida organizada hostiliza um jogador negro no estádio de futebol por conta da cor de sua pele, sabemos que esses indivíduos estão sendo racistas. Ou ainda, se um juiz escreve em uma sentença que o réu deve ser considerado inocente por ser branco e ter olhos claros e, portanto, não corresponder ao “estereótipo de bandido”, sabemos que está posto o racismo. Esses dois casos, que aconteceram na história recente do Brasil, receberam grande visibilidade e é muito importante que se fale sobre eles. No entanto, o conceito de racismo estrutural nos convida a ir além e pensar como esse problema atravessa profundamente a nossa sociedade e se manifesta para além dos atos individuais, uma vez que esses atos constituem apenas a ponta do iceberg.
O racismo estrutural tem caráter político e histórico. Ele corresponde a um conjunto de práticas institucionais, econômicas, ideológicas e culturais que garantem que seja sistematicamente legado aos indivíduos não brancos uma posição social de desvantagem, que se perpetua pelas gerações. Se você fizer uma rápida pesquisa nos dados estatísticos, perceberá que a maioria das vítimas de homicídios no Brasil são jovens negros. Constatará que, em relação aos brancos, a população negra recebe salários menores, apresenta um maior índice de analfabetismo e vive em moradias mais precárias. Esses dados nos levam a pensar que o racismo não pode ser entendido apenas como uma questão de ignorância ou desvio moral. O racismo é um fenômeno que faz parte da própria estrutura da sociedade brasileira, garantindo aos brancos uma posição de privilégio.
Segundo o professor e jurista Sílvio Almeida, a forma como o racismo se estabelece na estrutura da sociedade pode ser exemplificada pela política tributária. É muito comum ouvir reclamações, sobretudo entre o empresariado, sobre a alta carga de impostos no Brasil. No entanto, estudos recentes mostram que, proporcionalmente, as mulheres negras são as mais atingidas pela carga tributária, que incide principalmente nos salários e no consumo. Isso contribui para o empobrecimento deste grupo, que constitui a faixa mais vulnerável da sociedade. Nesse sentido, observamos que o racismo se perpetua não como anormalidade ou desvio de caráter, mas através do funcionamento normal do sistema econômico.
Por outro lado, quando observamos os espaços de poder - como o Senado, o Supremo Tribunal Federal ou o corpo docente das grandes universidades - percebemos que estes são compostos, quase que exclusivamente, por pessoas brancas. Ainda que os negros sejam mais da metade da população brasileira, é escassa sua presença em posições de comando. Ao mesmo tempo, quase 80% das vítimas de homicídio no Brasil é composta por jovens negros, que também estão entre a maioria nos sistemas prisionais.
Essas fatos, no entanto, apesar de atingirem a vida de milhares de pessoas, não nos causam o mesmo espanto que o ato individual de um sujeito racista. Por ser estrutural, o racismo que constitui as relações políticas e econômicas é naturalizado, passa despercebido. Entretanto, isso não significa que ele não pode ser superado. O que o conceito de racismo estrutural nos leva a pensar é que para que essa superação ocorra de fato, não basta apenas punir indivíduos e grupos explicitamente racistas, é preciso mexer nas estruturas da sociedade.
Referências:
ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020 Vídeo: O que é Racismo Estrutural? | Silvio Almeida - TV Boitempo